domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Santa Rosa de Lima fechou...

O Colégio Santa Rosa de Lima encerrou suas atividades, fechou suas portas após quase 50 anos de atuação na educação em Porto Alegre. Que pena! Era um pequeno grande colégio, grande nas propostas pedagógicas pretendidas e (muitas vezes) implantadas com sucesso, em sua forma de administração (era uma fundação de pais), grande - sobretudo - no clima que sempre houve lá dentro: de parceria  e amizade entre pais, alunos e professores; de profissionalismo e dedicação dos seus professores.
Trabalhei lá por cinco anos, no início dos anos 2000. A instituição já estava em crise financeira, já tinha poucos alunos (pelo menos para atender às despesas todas), mas foi uma grande experiência para mim como professora e, certamente, para todos que por lá passaram.
Quando eu dizia que trabalhava lá, sempre alguém dizia: "Que legal! É uma escola moderna, democrática, não?". Sim, era. Meus alunos eram filhos de intelectuais, de artistas, de pessoas engajadas politicamente, ou simplesmente de pessoas que acreditavam num modelo de educação leiga, moderna, democrática e  afinada com o andamento da sociedade. Muitas vezes reencontrei aqueles alunos, e sempre fiquei orgulhosa de vê-los, como gente "do bem",  inseridos no mundo, atuando  nele, então como médicos, biomédicos, biólogos, pedagogos, artistas, designers, escritores, advogados, administradores...Muitos deles, tenho certeza, se pudessem, matriculariam seus filhos naquele colégio porque foram felizes lá, porque saíram de lá  aparelhados para o mundo lá fora, e esse mundo os recebeu bem.
Tive também colegas brilhantes e, com eles, experiências maravilhosas em educação. Muitos desses colegas foram saindo aos poucos, geralmente mal compreendidos por direções não afinadas com a proposta que se tinha. Porque houve, sim, experiências desastrosas: diretores "nada a ver" com aquele ambiente, propostas que não vinham ao encontro do trabalho árduo (como, de resto, é o trabalho na educação) mas gratificante para todos, que se fazia lá.  Essas mudanças e esses experimentalismos foram, aos poucos, afastando as famílias que tinham seus filhos lá, afastando possíveis novos alunos e afastando, até, professores, que não conseguiam ver a luz no fim do caminho que estava sendo seguido.
Que pena tudo isso! Uma cidade como Porto Alegre não deveria perder uma escola como o Santa - nenhuma cidade deveria, mas digo Porto Alegre porque essa escola é muito significativa na história cultural e educacional desta cidade.
Aline, Carol, Diego, Ieve, Iana, Fabíola, Laura, Lucas e tantos outros alunos que eu tive lá: vocês passaram por uma grande escola. Simone, Fernando, Marcelo, Lívia, Claudinha, Bernadete, Sani e tantos outros (ex) colegas professores: nós passamos por uma grande escola!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sempre o Grande Sertão!

Desde os vinte anos, quando li pela primeira vez  Grande Sertão: Veredas, tenho uma certeza: é o mais belo romance que já li. Há personagens inesquecíveis em outras obras, há enredos super bem bolados em outros textos, narrativas incríveis de outros autores - mas o Grande Sertão está, sei lá, acima, noutra dimensão em relação a isso tudo.
Na primeira vez que li, foi uma leitura de quem estava começando a conhecer o autor, estava estudando-o na universidade, mas o professor não se deteve muito; eu só fui ler porque achava que minha obrigação, como estudante de Letras, era ler de tudo (hoje, meus colegas do pós-graduação, mestrandos e doutorandos, mal conhecem os grandes nomes da literatura brasileira...). Na segunda vez que li, já estava no Mestrado - e aí foi um pouco diferente. Primeiro porque li para a disciplina da Profa. Kathrin Rosenfield (uma alemã especialista em Guimarães Rosa!!!), e a cultura dela abriu muitas portas para uma leitura muito mais rica. Segundo, porque - entre as duas leituras - eu havia lido o Tao-te King, considerado "a mais alta expressão do pensamento chinês", um pequeno compêndio sobre filosofia zen budista. Qual é a
relação?  Bom, há um provérbio zen que diz: "só encontrará sua vida aquele que a perdeu". E esse é o tema do livro; é história de um homem que está contando sua história, fazendo-nos viver com ele (e com o oculto interlocutor) as suas andanças - as boas e as más. É a história do sujeito que perde tudo algumas vezes - o que nos faz refletir sobre a dimensão que damos à palavra tudo - e precisa contar para entender. Sobretudo, é a história de um amor improvável, renegado, mas  (ao final descobre-se) não impossível.
Assim como se diz que a estrutura do cartesianismo deve ser reduzida a cinzas para se entender o Zen, o mesmo deve ser feito para se ler - e entender - o Grande Sertão: deixar-se levar, deixar-se dominar pela história fascinante que se passa no mais árido sertão - árido não só no clima, mas na vida que tem quem vive lá.
Estou tratando dessa obra porque, há anos (final dos anos 80, início dos  90, creio), a Rede Globo lançou a minissérie Grande Sertão: Veredas, com Tony Ramos e Bruna Lombardi  interpretando os melhores papéis de suas vidas. E eu, comprando filmes  para o meu filho, dias atrás, achei o pacote com a minissérie em 4 dvd's. Rever uma minissérie não é reler o livro (isso eu faço ao menos uma vez por ano há anos), mas é uma experiência muito legal, pois é uma obra bem feita, com bons atores, cenários incríveis, um excelente  trabalho de linguagem - e conseguiram captar as melhores cenas do livro. A Bruna Lombardi está impagável no papel do jagunço Reinaldo/Diadorim - e Tony Ramos mereceria o Oscar pelo papel do Riobaldo. O diretor Valter Avancini fez um bom trabalho, que eu agora posso rever quando quiser. Deixo algumas frases, das muitas maravilhosas falas/reflexões filosóficas do narrador Riobaldo. Obrigada, GuimarãesRosa!

Coração da gente - o escuro, escuros...
Estou esperando o nada virar coisa... (Essa eu amo!)
Que o que gasta, vai gastando  diabo, aos pouquinhos, dentro da gente, é o razoável sofrer. E a alegria de amor...
...tudo o que é bonito é absurdo...
O senhor sabe: o perigo é viver...
No mato, o medo da gente sai ao inteiro.
O senhor ache e não ache. Tudo é e não é ...
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
Deus é paciência. O contrário é o diabo.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.
A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?
Quem-sabe, a gente criatura ainda tão ruim, tão, que Deus só pode às vezes manobrar com os homens é mandando por intermédio do diá?
O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo.
Quem desconfia fica sábio.
Ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência.
O espírito da gente é cavalo que escolhe estrada.
Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem.
Eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! (...) Este mundo é muito misturado ...
Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho de Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.
A vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Preto é preto? branco é branco? Ou: quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da mocidade.
No centro do sertão, o que é doideira, às vezes, pode ser a razão mais certa e de mais juízo!
O sertão é dentro da gente.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.  (Esta eu amo também.)
Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor.
Obedecer é mais fácil do que entender.
Tive medo não. Só que abaixaram meus excessos de coragem.
Rir, antes da hora, engasga.
Ao que não havia mais chão, nem razão, o mundo nas junstas se desgovernava.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
Viver é muito perigoso, e não é não.
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. (Esta é maravilhosa...)
Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo. (Quando Diadorim morreu.)
O diabo não há. Existe é homem humano. Travessia. (O final!)