quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Sempre o Grande Sertão!

Desde os vinte anos, quando li pela primeira vez  Grande Sertão: Veredas, tenho uma certeza: é o mais belo romance que já li. Há personagens inesquecíveis em outras obras, há enredos super bem bolados em outros textos, narrativas incríveis de outros autores - mas o Grande Sertão está, sei lá, acima, noutra dimensão em relação a isso tudo.
Na primeira vez que li, foi uma leitura de quem estava começando a conhecer o autor, estava estudando-o na universidade, mas o professor não se deteve muito; eu só fui ler porque achava que minha obrigação, como estudante de Letras, era ler de tudo (hoje, meus colegas do pós-graduação, mestrandos e doutorandos, mal conhecem os grandes nomes da literatura brasileira...). Na segunda vez que li, já estava no Mestrado - e aí foi um pouco diferente. Primeiro porque li para a disciplina da Profa. Kathrin Rosenfield (uma alemã especialista em Guimarães Rosa!!!), e a cultura dela abriu muitas portas para uma leitura muito mais rica. Segundo, porque - entre as duas leituras - eu havia lido o Tao-te King, considerado "a mais alta expressão do pensamento chinês", um pequeno compêndio sobre filosofia zen budista. Qual é a
relação?  Bom, há um provérbio zen que diz: "só encontrará sua vida aquele que a perdeu". E esse é o tema do livro; é história de um homem que está contando sua história, fazendo-nos viver com ele (e com o oculto interlocutor) as suas andanças - as boas e as más. É a história do sujeito que perde tudo algumas vezes - o que nos faz refletir sobre a dimensão que damos à palavra tudo - e precisa contar para entender. Sobretudo, é a história de um amor improvável, renegado, mas  (ao final descobre-se) não impossível.
Assim como se diz que a estrutura do cartesianismo deve ser reduzida a cinzas para se entender o Zen, o mesmo deve ser feito para se ler - e entender - o Grande Sertão: deixar-se levar, deixar-se dominar pela história fascinante que se passa no mais árido sertão - árido não só no clima, mas na vida que tem quem vive lá.
Estou tratando dessa obra porque, há anos (final dos anos 80, início dos  90, creio), a Rede Globo lançou a minissérie Grande Sertão: Veredas, com Tony Ramos e Bruna Lombardi  interpretando os melhores papéis de suas vidas. E eu, comprando filmes  para o meu filho, dias atrás, achei o pacote com a minissérie em 4 dvd's. Rever uma minissérie não é reler o livro (isso eu faço ao menos uma vez por ano há anos), mas é uma experiência muito legal, pois é uma obra bem feita, com bons atores, cenários incríveis, um excelente  trabalho de linguagem - e conseguiram captar as melhores cenas do livro. A Bruna Lombardi está impagável no papel do jagunço Reinaldo/Diadorim - e Tony Ramos mereceria o Oscar pelo papel do Riobaldo. O diretor Valter Avancini fez um bom trabalho, que eu agora posso rever quando quiser. Deixo algumas frases, das muitas maravilhosas falas/reflexões filosóficas do narrador Riobaldo. Obrigada, GuimarãesRosa!

Coração da gente - o escuro, escuros...
Estou esperando o nada virar coisa... (Essa eu amo!)
Que o que gasta, vai gastando  diabo, aos pouquinhos, dentro da gente, é o razoável sofrer. E a alegria de amor...
...tudo o que é bonito é absurdo...
O senhor sabe: o perigo é viver...
No mato, o medo da gente sai ao inteiro.
O senhor ache e não ache. Tudo é e não é ...
Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
Deus é paciência. O contrário é o diabo.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.
A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?
Quem-sabe, a gente criatura ainda tão ruim, tão, que Deus só pode às vezes manobrar com os homens é mandando por intermédio do diá?
O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo.
Quem desconfia fica sábio.
Ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência.
O espírito da gente é cavalo que escolhe estrada.
Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem.
Eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! (...) Este mundo é muito misturado ...
Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho de Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.
A vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Preto é preto? branco é branco? Ou: quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da mocidade.
No centro do sertão, o que é doideira, às vezes, pode ser a razão mais certa e de mais juízo!
O sertão é dentro da gente.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.  (Esta eu amo também.)
Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor.
Obedecer é mais fácil do que entender.
Tive medo não. Só que abaixaram meus excessos de coragem.
Rir, antes da hora, engasga.
Ao que não havia mais chão, nem razão, o mundo nas junstas se desgovernava.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
Viver é muito perigoso, e não é não.
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. (Esta é maravilhosa...)
Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo. (Quando Diadorim morreu.)
O diabo não há. Existe é homem humano. Travessia. (O final!)

Um comentário:

  1. Oi!
    Achei um artigo que lembrei de ti!
    98 erros mais comuns na Língua Portuguesa:
    http://www.nababu.org/?p=1672

    Em breve, voltaremos às aulas e nos veremos.
    Beijos,
    Ísis

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